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VÍRUS: TUDO O QUE É SÓLIDO

                                             DESMANCHA NO AR







                                               Boaventura de Sousa Santos   40





                   xiste um debate nas ciências sociais sobre se a verdade e a qua-
               Elidade das instituições de uma dada sociedade se conhecem
               melhor em situações de normalidade, de funcionamento corrente,
               ou em situações excepcionais, de crise. Talvez os dois tipos de situa-
               ção sejam igualmente indutores de conhecimento, mas certamente
               permitem-nos conhecer ou relevar coisas diferentes. Que poten-
               ciais conhecimentos decorrem da pandemia do coronavírus?
                  A normalidade da exceção. A atual pandemia não é uma situa-
               ção de crise claramente contraposta a uma situação de normali-
               dade. Desde a década de 1980 – à medida que o neoliberalismo se
               foi impondo como a versão dominante do capitalismo e este se foi
               sujeitando mais e mais à lógica do setor financeiro – o mundo tem
               vivido em permanente estado de crise. Uma situação duplamente
               anômala. Por um lado, a ideia de crise permanente é um oximoro,
               já que, no sentido etimológico, a crise é por natureza excepcional
               e passageira e constitui a oportunidade para ser superada e dar
               origem a um melhor estado de coisas. Por outro lado, quando a
               crise é passageira, ela deve ser explicada pelos fatores que a pro-
               vocam. Mas quando se torna permanente, a crise transforma-se



               40  Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de
                   Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison.
                   Director Emérito doCentro de Estudos Sociaisda Universidade de Coimbra e
                   Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.



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