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porta dos fundos das crises pandêmicas, dos desastres ambien-
               tais e dos colapsos financeiros. Ou seja, as alternativas voltarão da
               pior maneira possível.
                  A fragilidade do humano. A rigidez aparente das soluções so-
               ciais cria nas classes que tiram mais proveito delas um estranho
               sentimento de segurança. É certo que sobra sempre alguma inse-
               gurança, mas há meios e recursos para os minimizar, sejam eles
               os cuidados médicos, as apólices de seguro, os serviços de empre-
               sas de segurança, a terapia psicológica, as academias de ginástica.
               Este sentimento de segurança combina-se com o de arrogância
               e até de condenação para com todos aqueles que se sentem viti-
               mizados pelas mesmas soluções sociais. O surto viral interrompe
               este senso comum e evapora a segurança de um dia para o outro.
               Sabemos que a pandemia não é cega e tem alvos privilegiados,
               mas mesmo assim cria-se com ela uma consciência de comunhão
               planetária, de algum modo democrática. A etimologia do termo
               pandemia diz isso mesmo: todo o povo. A tragédia é que neste
               caso a melhor maneira de sermos solidários uns com os outros é
               isolarmo-nos uns dos outros e nem sequer nos tocarmos. É uma
               estranha comunhão de destinos. Não serão possíveis outras?
                  Os fins não justificam os meios. O abrandamento da atividade
               econômica, sobretudo no maior e mais dinâmico país do mundo,
               tem óbvias consequências negativas. Mas tem, por outro lado, al-
               gumas consequências positivas. Por exemplo, a diminuição da po-
               luição atmosférica. Um especialista da qualidade do ar da agência
               especial dos EUA (NASA) afirmou que nunca se tinha visto uma
               quebra tão dramática da poluição numa área tão vasta. Quererá
               isto dizer que no início do século XXI a única maneira de evitar
               a cada vez mais iminente catástrofe ecológica é por via da des-
               truição massiva de vida humana? Teremos perdido a imaginação
               preventiva e a capacidade política para a pôr em prática?
                  É também conhecido que, para controlar eficazmente a
               pandemia, a China acionou métodos de repressão e de vigilância



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