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projetos com implicações críticas de saúde pública; o foco das em-
presas privadas na maximização de lucros nem sempre é consistente
com a meta do governo de se preparar para uma crise futura “.
Deixando de lado a reverência ritual ao governo benigno e
seus objetivos louváveis, o comentário é suficientemente verdadei-
ro. Podemos acrescentar que o foco na maximização dos lucros
também “nem sempre é consistente” com a esperança de “sobre-
vivência da humanidade”, emprestando a frase de um memorando
vazado do JPMorgan Chase, o maior banco dos EUA, alertando
que “a sobrevivência da humanidade” está em risco em nosso curso
atual, incluindo os próprios investimentos do banco em combus-
tíveis fósseis. Desse modo, a Chevron cancelou um projeto rentá-
vel de energia sustentável, porque há mais lucro a ser feito com a
destruição da vida na Terra. A ExxonMobil se absteve de fazê-lo,
porque, primeiramente, nunca havia iniciado tal projeto, tendo
feito cálculos mais racionais de lucratividade.
E com razão, de acordo com a doutrina neoliberal. Como
Milton Friedman e outros luminares neoliberais nos instruíram, a
tarefa dos gerentes corporativos é maximizar os lucros. Qualquer
desvio dessa obrigação moral destruiria os fundamentos da “vida
civilizada”.
Haverá recuperação da crise do COVID-19, a um custo grave
e possivelmente horrendo, principalmente para os pobres e mais
vulneráveis. Mas não haverá recuperação do derretimento das ca-
madas de gelo polares e de outras consequências devastadoras do
aquecimento global. Aqui também a catástrofe resulta de uma falha
de mercado - neste caso, de proporções verdadeiramente capazes
de abalar o mundo.
A administração atual foi amplamente avisada sobre uma pro-
vável pandemia. De fato, uma simulação de alto nível foi executada
muito recentemente, em outubro passado. Trump reagiu duran-
te seus anos no cargo da maneira com a qual nos acostumamos:
cortando recursos e desmantelando todas as partes relevantes do
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