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reais se estagnaram. Como os economistas Emmanuel Saez e
Gabriel Zucman mostram em seu livro The Triumph of Injustice, os
impostos são basicamente os mesmos em todos os grupos de renda,
exceto no topo, onde declinam.
O sistema de saúde privatizado com fins lucrativos dos EUA há
muito é um escândalo internacional, com o dobro das despesas per
capita de outras sociedades desenvolvidas e alguns dos piores re-
sultados. A doutrina neoliberal aplicou outro golpe, introduzindo
medidas comerciais de eficiência: serviço pontual e sistema sem
gorduras. Qualquer interrupção e o sistema entra em colapso. O
mesmo se aplica à frágil ordem econômica global, forjada em prin-
cípios neoliberais.
Este é o mundo que Trump herdou, o alvo de seu aríete. Para
aqueles preocupados em reconstruir uma sociedade viável a partir
dos destroços que restarão da crise em andamento, é bom atender
ao chamado de Vijay Prashad: “Não voltaremos ao normal, porque
o normal era o problema.”
Para entendermos como chegamos a este “normal”, como toda
essa situação de se instalou, é preciso voltar um pouco. Suas raízes
são tão profundas que, mesmo com toda a situação que atualmente
vivenciamos, um sistema de saúde universal para os americanos
continua sendo tratado como uma utopia.
É uma história complicada. Para começar, por muito tempo, as
pesquisas mostraram atitudes favoráveis em relação à assistência
universal à saúde, às vezes muito fortemente apoiadas. Nos últimos
anos de Reagan, cerca de 70% da população pensavam que a
assistência médica garantida deveria estar na Constituição e 40%
pensavam que já estava - a Constituição é considerada o repositório
de tudo o que está obviamente certo. Houve referendos mostrando
alto apoio à assistência universal à saúde - até o início da ofensiva
de propaganda comercial, alertando para a pesada carga tributária,
se não astronômica, da mesma forma que vimos recentemente.
Então o apoio popular desaparece.
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