Page 19 - Quarentena_1ed_2020
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A dificuldade de implementação de modelos de teste que adotem
a renda básica universal com todas as suas características está, so-
bretudo, no custo. Os pilotos, ora financiados pelo Estado, ora por
organizações independentes, sofrem limitações que vão desde o
valor transferido à duração do experimento. Tais circunstâncias
não devem desmotivar. Como se verá, evidências obtidas por meio
dessas iniciativas contribuem na busca de respostas sobre o impac-
to da adoção de uma renda básica universal efetiva.
Trabalho: dever ou direito?
Do ponto de vista jurídico-filosófico, a renda garantida ampa-
ra-se na dignidade e no valor humano reconhecidos na Carta das
Nações Unidas e na Declaração Universal de Direitos Humanos
(DUDH). Não se trata de defendê-la como direito natural, mas de
compreendê-la como meio de efetivação de direitos e liberdades
declarados universais. Essa visão é por vezes confrontada com o
argumento de que é o trabalho, e não a transferência de renda, que
deve ser garantido para uma existência digna. O provérbio “O tra-
balho dignifica o homem” bem traduz esse pensamento.
Não há, contudo, antagonismo entre a renda básica e o direi-
to ao trabalho quando este é compreendido em sua plenitude. Ele
contempla, segundo o artigo 23 da DUDH, o direito à livre esco-
lha do trabalho, em condições equitativas e satisfatórias, à proteção
contra o desemprego e a uma remuneração digna. O dispositivo
menciona, ainda, sua complementação por outros meios de prote-
ção social, quando possível.
Inexiste óbice ético ou jurídico ao pagamento de renda sem
labor. Ao contrário. O direito ao trabalho apenas pode ser exerci-
do em todas suas dimensões, quando dele não dependa a pessoa
trabalhadora para garantir sua sobrevivência. A vulnerabilidade
financeira é condição que acentua o desequilíbrio na relação de
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