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não se diferencia hoje o suficiente para servir como um contrapon-
            to ao capitalismo ocidental, como foi o modelo soviético, em espe-
            cial no que se refere a um esquema de desenvolvimento produtivo
            combinado com um sistema avançado de proteção social. Situação
            que também pode mudar na medida em o país atinja o nível que
            espera em termos de “desenvolvimento”  - é o que sugere o argu-
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            mento  em torno da prioridade ao “direito ao desenvolvimento”
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            pelos mandatários chineses como fundamento para o exercício
            material de outros direitos.
               Em alguns aspectos, como a ênfase no direito ao desenvolvi-
            mento e a comprovação fática de que medidas heterodoxas fun-
            cionam - em contraste com as experiências fracassadas que repre-
            sentaram as aplicações do Consenso de Washington aos países em
            desenvolvimento – pode se legitimar uma melhoria nas regras in-
            ternacionais para países mais pobres.
               Mesmo sobre este último ponto há de se ter uma certa dose de
            ceticismo, em face do nível de desenvolvimento já alcançado pela
            China e sua recente aceitação de diversas das “regras do jogo” em
            nível internacional, algo perfeitamente explicado no livro Kicking
            Away the Ladder (2002), de Ha-Joon Chang.
               Não deveremos ver nada realmente substantivo em termos de
            ruptura com o sistema capitalista, ao menos não por agora, enquan-
            to o processo socialista chinês não está consolidado. No máximo,
            a Covid-19 terá funcionado como um catalizador do processo de
            surgimento da China como o novo hegemon no sistema interna-
            cional,  de  modo  semelhante  ao  que  a  Segunda  Guerra  Mundial



            36  O termo desenvolvimento aqui é abordado de forma crítica, uma vez que reflete
                um caminho civilizatório que ignora outras formas de vida e visões de mundo
                mais adaptadas ao planeta, como a de diversos povos tradicionais.
            37  O White Paper produzido pelo Gabinete de Informação do Conselho de Estado
                da República Popular da China, em dezembro de 2016, intitulado “The Right to
                Development: China’s Philosophy, Practice and Contribution” traz uma boa síntese
                deste argumento.



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