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e a de uma sociabilidade sustentável e inclusiva são muito distintas.
O objetivo do primeiro é a maximização do lucro. O da segun-
da, a coexistência solidária entre seres humanos e a preservação do
planeta.
É possível conciliá-las? Talvez em teoria - foi o que buscaram
os economistas clássicos, com seus altíssimos níveis de abstração
e excessos dedutivistas. Quanto mais egoístas forem os indivíduos,
melhor para a coletividade, diziam eles. “It is not from the benev-
olence of the butcher, the brewer, or the baker that we expect our
dinner, but from their regard to their own self-interest” , asseverou
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Adam Smith, em um dos trechos mais célebres d’A Riqueza das
Nações (An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of
Nations, 1776), argumento repetido por escolas posteriores.
Mas, na prática, o que temos visto desse sistema são os seus efei-
tos devastadores em termos de aumento da poluição e do aqueci-
mento global, da cultura do descarte e do consumismo, das desi-
gualdades extremas, das centenas de milhões de vidas em absoluta
pobreza, das famílias de refugiados fenecendo à deriva. E das pan-
demias e catástrofes evitáveis.
Uma proposta de ruptura em direção a uma sociedade mais so-
lidária será, essencialmente, uma proposta anticapitalista.
De fato, a história produz três tipos de mudanças na ordem
social, a partir da dinâmica entre Estado e sociedade. As marginais,
que envolvem um pequeno deslize ao longo do espectro Estado-
Mercado para algumas políticas. As conjunturais, que representam
alterações na concepção do papel do Estado, em medida suficien-
te para que o próprio sistema não entre em colapso, e que podem
durar algumas décadas; e as estruturais, que são transformações
nas formas de reprodução da vida em sociedade.
33 Em tradução livre: “Não é pela benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do
padeiro que nós contamos com o nosso jantar, mas pela consideração do seu
próprio interesse.”
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