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ruptura política não nos leve à nova ordem social ansiada pelos crí-
ticos do sistema.
Apesar de divergências sobre a natureza do populismo – se
uma estratégia ou lógica política (LACLAU, 2005), um discurso
(PANIZZA, 2005) ou uma “ideologia fina” (MUDDE, 2007, 2009;
STANLEY, 2008; MUDDE et KALTWASSER, 2011, 2013), há ra-
zoável consenso na sua caracterização a partir da divisão da socie-
dade em dois campos antagônicos - o povo excluído e as elites que
estão no poder – e de um forte sentido anti-establishment.
A sociedade contemporânea é marcada por uma clivagem social
profunda entre os vencedores e os perdedores do processo de mo-
dernização. Uma underclass com empregos precários, baixos sa-
lários e pouca qualificação engrossa a multidão dos descontentes
com um sistema que nunca a contemplou.
Diante desse cenário, a rejeição do status quo é natural, bem
como de tudo o que remete a ele: os partidos tradicionais, que se al-
ternam no poder sem trazer mudanças estruturais; a grande mídia,
que reproduz o discurso dos poderosos e das corporações que a fi-
nanciam; as instituições, que nada fazem contra a reprodução deste
estado de coisas, e mais servem para legitimá-la.
No Brasil, a equivalência feita pela população entre as opções
de um sistema partidário pouco responsivo propiciou terreno fértil
para o florescimento do populismo, que explorou as inconsistên-
cias nesta ordem ao escancarar a oposição existente entre uma elite
microscópica em número, mas gigante em poder, e a massa da po-
pulação com poder e influência marginais.
A janela de oportunidade populista (ou “momento populista”,
na definição de Mouffe, 2019) não aproveitada pela esquerda bra-
sileira proporcionou à extrema direita caminho livre para dar às
inconsistências evidenciadas no status quo a explicação causal mais
útil e de acordo com a sua ideologia.
A tese vendida a essas massas com quem o populista se comu-
nica foi a de que o grande plano das elites por trás das instituições
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