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seria a instalação de um regime comunista no Brasil, a partir da
destruição dos valores e da família tradicional. Contra isso, valeria
tudo, até uma guerra civil. Metralhar a petralhada. Mandar para a
ponta da praia. Matar 30 mil.
O importante é eliminar o inimigo demonizado, culpado por
levar o país a esse estado de coisas, “a esquerda no poder”, o PT, os
comunistas, a própria síntese do mal - o que é muito bem explica-
do por Freud ao tratar dos processos de coesão interna dos grupos
sociais. A eficiência com que o populismo de extrema direita alcan-
çou as grandes massas no Brasil é digna de nota.
A pandemia é o elemento novo nesse já muito complexo e in-
trincado cenário. A escalada da doença causada pelo novo coro-
navírus, em uma magnitude não conhecida por esta geração, é
efetivamente chocante. Mas não tem, por si só, o condão de ensejar
mudanças realmente profundas. A Gripe Espanhola, outra pande-
mia de escala até superior, também não teve. O que tem capacidade
de alterar o curso da história, a caracterizar uma efetiva ruptura da
ordem política e econômica, são as transformações nos modos de
reprodução da vida em sociedade.
Foi a adoção da lógica “bárbara”, na verdade mais adaptável e
mais coletivista, que levou ao fim do Império Romano e ao nas-
cimento do feudalismo. Foi o surgimento da burguesia e o ressur-
gimento das cidades que levou à Revolução Francesa e ao ocaso
da Idade Moderna. Foi a escolha pelo modo de vida socialista que
levou ao mundo bipolar. Mesmo catástrofes de grande magnitude
humanamente provocadas, como a Primeira e a Segunda Grandes
Guerras Mundiais, são incapazes de gerar mudanças estruturais no
sistema econômico quando não alteram as bases do modo de re-
produção da vida em sociedade.
Mas o novo coronavírus surge em um contexto em que o siste-
ma atual já se encontrava com uma legitimidade bastante fragiliza-
da, não só no Brasil, mas em várias partes do mundo. Para aqueles
que têm como projeto uma nova ordem, o caos social, político e
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