Page 178 - Quarentena_1ed_2020
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Possivelmente não teremos um mundo mais aberto ao trân-
sito de pessoas. Por que cessaria a repressão brutal às balsas de
africanos e refugiados do Oriente Médio que tentam cruzar o
Mediterrâneo em direção a Europa? A propósito, agora a extrema
direita do “Velho Mundo” ganhará um argumento “sanitário” -
mesmo sem nenhuma base epidemiológica - para intensificar este
procedimento. O racismo que já existe está sendo reeditado com
os contornos dados pelo COVID-19, em especial direcionado aos
asiáticos, até como recalque ocidental. O grau pós-pandêmico de
isolamento das nações e o impacto na dimensão cognitiva do re-
lacionamento entre pessoas de diferentes culturas é algo difícil de
mensurar a priori, no entanto, o que tudo indica é que a xenofobia
tende a ganhar mais espaço.
Há exceções evidentemente. Países com tradição na execução de
atividades de solidariedade internacional, como é o caso de Cuba,
seguem fazendo o que sempre fizeram, enviando equipes de saúde
para colaborar com a assistência aos doentes em várias partes do
mundo. A China agora inaugura uma nova fase do seu posicio-
namento internacional, pois passa a ser, além de uma parceira co-
mercial, uma aliada no fornecimento de equipamentos de saúde,
muitas vezes fora do escopo de interesses mercantis.
As exceções são bons exemplos, são a prova que as sociedades
sob a orientação socialista, com economia planificada e com so-
berania nacional estão mais aptas a enfrentarem desafios huma-
nitários. Porém, a lição de solidariedade dada aos povos esbarra
nos obstáculos dos poderes estabelecidos sobre cada um deles.
Reconhecer a eficácia e pertinência dos exemplos socialistas é um
preço alto demais para o establishment da maioria das nações, sig-
nifica reconhecer o próprio fracasso societal. Grupos de poder não
abdicam voluntariamente dos seus métodos de controle social, e a
ideologia anticomunista é um destes; para eles, a pandemia sempre
será um mal menor do que o socialismo.
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