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Este novo e breve governo Giolitti dura um ano. Negando-se a
reprimir os operários pelas armas, o governo também não conse-
gue reprimir o fascismo, que amplia a sua ascensão entre os pró-
prios trabalhadores, mormente entre os desempregados. A potente
sociedade industrial, que se ergue dominante – a partir das grandes
fábricas da Pirelli, Benedetti, Agnelli (Fiat), Alfa Romeo, vive a luta
de classes como laceração social, antes de carregar no seu ventre a
utopia política da democracia ou a ruptura histórica da igualdade.
Nas fábricas se sucedem greves e locautes, num mar revolto de
diálogos e confrontos intermináveis. Numa reunião com indus-
triais – na qual se debate o uso imediato da violência armada para
acabar com as ocupações – Giovanni Agnelli como porta-voz da
“linha violenta” dos industriais solicita uma ação armada ao novo
primeiro ministro. Giolitti lhe responde com ironia: “Muito bem,
senador, tenho justamente um batalhão de artilharia aquartela-
do em Turim. Vou colocá-lo diante dos portões da Fiat e ordenar
que abra fogo contra a sua fábrica”. Abrir fogo contra a fábrica de
Agnelli, hoje, significa abrir as portas do isolamento e devastar
todos os esforços para bloquear a pandemia.
O “grande medo do futuro incerto”, na época, era a revolução so-
cialista e as expropriações. E os inimigos eram definidos pela sua
posição, em cada confronto particular: os ocupantes das fábricas de-
fendiam sua gestão pelos operários, os desempregados as queriam
abertas para gerar novos empregos, os banqueiros queriam receber
seus créditos, os soldados desmobilizados pediam respeito e trabalho,
as classes médias, segurança nas escolas e consumo normalizado.
Os camponeses exaustos pediam terra e jornadas melhor remune-
radas, tratamento humano dos grandes proprietários, apoio técnico
as suas cooperativas e financiamento subsidiado. Parece que, quanto
mais a anomia vencia, mais distante ficava a nova ordem, embora já
despedaçasse a ordem atual, com seus meteoros de medo e incerteza.
A democracia – no contexto – pouco seduz, sem pão, salário,
produção, onde o grande medo do futuro incerto encontra as
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