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certezas fáceis do fascismo: redenção pela guerra, romantização do
               passado, violência como catarse da humilhação que todos carre-
               gam nos lugares remotos da alma e cuja superação exige armas,
               massacres e sacrifícios.
                  O nosso medo do futuro incerto não é a revolução, as ocupa-
               ções de fábricas, a ira camponesa ou a fome endêmica, que gera
               mobilizações políticas, nem o desmantelamento das instituições do
               Estado a serem engendradas para por uma nova ordem. O medo
               que nos assola se chama pandemia, este conceito nobre da peste
               pós-moderna, cujas ameaças desmantelam a culta e superficial so-
               lidariedade das categorias políticas modernas.
                  No vácuo da sua dissolução se esvaem as opções democráticas
               para a política e as condições mínimas para as revoluções, que, se
               ontem já não se apresentavam – segundo a ótica de cada um – nem
               desejáveis nem convincentes, hoje criam o caldo de cultura onde
               prolifera o fascismo. É a necrofilia deitada sobre contingentes in-
               teiros de descartáveis, a morte do Estado de Direito pela vontade
               da demência organizada no poder, a entrega do destino do Estado
               – não à força da virtude – mas à vontade despida de razão e mora-
               lidade pública.
                  Arrisco-me a apontar dois significativos pilares culturais da
               situação atual da ordem política: o primeiro é a revelação feita
               pelo “pensador” do presidente Bolsonaro, o dito filósofo Olavo de
               Carvalho, quando revelou num tweet do dia 19 de junho o seguinte:
               “Desde o início do seu mandato aconselhei o presidente que desar-
               masse os seus inimigos, antes de tentar resolver qualquer ‘problema
               nacional’ (e) ele fez o oposto. Deu ouvidos a generais ‘isentistas’,
               dando tempo que seus inimigos se fortalecessem…”.
                  Ora, armados no Brasil, estão os militares e as milícias, o que
               nos faz concluir que os generais “isentões” – referidos pelo “filóso-
               fo” – são aqueles que defendem de dentro das suas corporações as
               soluções políticas no interior do Estado de Direito, visão que revela
               – por si só – a que veio e o que é o Governo Bolsonaro.



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