Page 221 - Quarentena_1ed_2020
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A principal hipótese dos cientistas é de que, tal como seus an-
tecessores SARS-CoV e MERS-CoV, o novo coronavírus chega aos
corpos humanos em razão da fome que levou pessoas a comerem
camelos, gatos e morcegos, pois a vida nesse centro econômico al-
tamente desenvolvido é também radicalmente desigual.
A COVID-19 tem outro traço irônico ou perverso. Não atinge a
todos do mesmo modo. Pode até ser sedutor o discurso de que esta-
mos no mesmo barco, mas não é real.
Habitamos o mesmo planeta, mas temos condições absoluta-
mente desiguais de vida e, portanto, de reação a pandemias. Quem
não tem casa, não pode fazer isolamento físico. Quem não tem tra-
balho, não consegue se alimentar adequadamente, não tem sanea-
mento básico e, portanto, não terá as condições para enfrentar o
vírus e a doença.
A doença não atingirá nossos corpos da mesma maneira. E
mesmo que tenha sido disseminada entre pessoas privilegiadas que
viajam em aviões, muitas das quais fatalmente atingidas por seus
efeitos, o fato é que a doença fará muito mais vítimas entre os vul-
neráveis, que são a maioria, especialmente em países recordistas
em desigualdade como o Brasil.
Diante de tantas constatações, cada vez mais visíveis e irrecu-
sáveis, a COVID-19 deveria nos impedir de seguir fingindo que a
desigualdade social é uma fatalidade, em relação a qual não temos
responsabilidade alguma. Ou que a miséria é algo natural, que
simplesmente existe no mundo. Ou, ainda, que a riqueza decorre
do “mérito” individual que torna aceitável o fato de que algumas
poucas pessoas contem com respiradores próprios ou helicópteros
que garantam rápido atendimento em caso de contaminação, en-
quanto a imensa maioria está em situação de absoluto desamparo.
No entanto, ainda continuamos convivendo tranquilamente
com o fato de que no Brasil há mais de 13 milhões de pessoas mo-
rando em favelas ou nas ruas; mais de 18 milhões de crianças com
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