Page 224 - Quarentena_1ed_2020
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promoveu o adoecimento de mais de 826.250 pessoas e a morte de
pelo menos 40.712 (dados do dia 31/3/2020). Mas não estão.
Em lugar delas, o que se vê são: medidas provisórias retiran-
do direitos trabalhistas e propondo o endividamento de peque-
nos empresários ou restringindo direitos liberais como o direito
à informação; um presidente e vários seguidores minimizando a
realidade da doença, secundados por empresários que protegidos
em suas casas exigem que seus trabalhadores sigam trabalhando;
parlamentares e ministros que seguem repetindo a cantilena das
reformas liberais ou revelam publicamente o descaso pela vida dos
aprisionados.
Até mesmo quando tenta convencer a população de que está
preocupado em salvar vidas, a proposta do presidente é que os pro-
fissionais autônomos sigam trabalhando, expondo-se à contami-
nação como escudos humanos, como soldados que morrerão na
batalha pela sobrevivência diária. Fala em auxílio, mas concede
empréstimo. Refere-se à renda básica, mas oferece esmola, exclui
benefícios previdenciários e atrasa o pagamento do bolsa-família.
A distribuição igualitária de renda, moradia, trabalho e ali-
mentação é questão central para o modelo de sociedade que temos.
Exatamente por isso é bem provável que jamais esteja na ordem
do dia, pois até mesmo governos comprometidos com quem vive
do trabalho não conseguiram ultrapassar os estreitos limites que
fazem do Estado mero agente do capital.
O grande problema é que se deveria reconhecer, como atestam
os fatos históricos, que não há capitalismo sem desigualdade; que
não há capitalismo sem produção de miséria.
Assim, as escolhas, para efetivamente acertar os rumos do con-
vívio humano na Terra, deveriam ser bem mais radicais.
A oportunidade que a COVID-19 está nos apresentando de al-
terar radicalmente nosso modelo de sociedade talvez nem seja uma
escolha. Fato é que, independente da discussão mais profunda em
torno do modo de ser social (que deve ir além do período mais
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