Page 223 - Quarentena_1ed_2020
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Há níveis diferentes em que essas escolhas operam. Muitas
delas, mesmo sem questionar as bases de convívio social, já fariam
enorme diferença em momentos como esse.
Apostar na melhor distribuição da renda é um exemplo. O im-
posto sobre grandes fortunas caminha nessa direção. Ainda assim,
nem mesmo em tempos de crise sanitária aguda o tímido projeto
de lei proposto para regulamentar esse dispositivo constitucional
tem despertado interesse dos nossos parlamentares. Passados mais
de trinta anos desde a promulgação da Constituição, a taxação de
grandes fortunas ainda não saiu do papel.
Há também como alterar o modo de distribuição dos recursos
públicos. Impostos devem servir para garantir saúde, educação,
moradia e trabalho, e não para pagar dívida pública. E proprie-
tários de templos, lanchas, jetskys e helicópteros podem e devem
pagar impostos, assim como as emissoras de rádio e TV, que são
concessões públicas, não devem ganhar isenção de tributos em
razão do horário de propaganda eleitoral.
Segundo o TCU, em 2016 as renúncias fiscais somaram R$ 354,7
bilhões. Em 2015, o INSS deixou de arrecadar pelo menos R$ 30,4
bilhões, em razão de sonegação e inadimplência. Por que não solu-
cionar esse gargalo?
A reforma agrária é outro exemplo eloquente. Nunca foi feita
em nosso país. Ao contrário, segundo o IBGE 1% das propriedades
agrícolas ocupa quase metade da área rural brasileira, concentra-
ção de propriedade privada que vem crescendo ano a ano.
Várias outras questões podem ser levantadas, como a aposta
necessária em saúde e educação públicas de qualidade, o exato
contrário do que estamos fazendo nos últimos anos. Se não há sa-
neamento básico, alimentação adequada, moradia decente, se não
há trabalho seguro com salário digno, se não há investimento em
ciência, saúde e educação, como enfrentar uma pandemia?
Essas questões precisavam estar na ordem do dia, mesmo que
não houvesse uma nova doença que em cerca de três meses já
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