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BEM-VINDO AO ESTADO SUICIDÁRIO
Vladimir Safatle 110
Você é parte de um experimento. Talvez sem perceber, mas você
é parte de um experimento. O destino do seu corpo, sua morte são
partes de um experimento de tecnologia social, de nova forma de
gestão. Nada do que está acontecendo nesse país que se confunde
com nossa história é fruto de improviso ou de voluntarismo dos
agentes de comando. Até porque, ninguém nunca entendeu proces-
sos históricos procurando esclarecer a intencionalidade dos agen-
tes. Saber o que os agentes acham que estão a fazer é realmente o
que menos importa. Como já se disse mais de uma vez, normal-
mente eles o fazem sem saber.
Esse experimento do qual você faz parte, do qual te colocaram
à força tem nome. Trata-se da implementação de um “Estado sui-
cidário” como disse uma vez Paul Virilio. Ou seja, o Brasil mos-
trou definitivamente como é o palco da tentativa de implementação
de um Estado suicidário. Um novo estágio nos modelos de gestão
imanentes ao neoliberalismo. Agora, é sua face a mais cruel, sua
fase terminal.
Engana-se quem acredita que isto é apenas a já tradicional figura
do necroestado nacional. Caminhamos para além da temática ne-
cropolítica do Estado como gestor da morte e do desaparecimento.
Um Estado como o nosso não é apenas o gestor da morte. Ele é o
110 Professor livre-docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São
Paulo, professor convidado das universidades de Paris VII, Paris VIII, Toulouse,
Louvain e Stellenboch. É um dos coordenadores do Laboratório de Pesquisas em
Teoria social, Filosofia e psicanálise (Latesfip/USP).
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