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o sol sua impotência miserável. Se o fascismo sempre foi uma
               contrarrevolução preventiva, não esqueçamos que sempre soube
               transformar a festa da revolução em um ritual inexorável de auto-
               -imolação sacrificial. Fazer O desejo de transformação e diferença
               conjugar a gramática do sacrifício da auto-destruição: essa sempre
               foi a equação libidinal que funda o Estado suicidário.
                  O fascismo brasileiro e seu nome próprio, Bolsonaro, encontra-
               ram enfim uma catástrofe para chamar de sua. Ela veio sob a forma
               de urna pandemia que exigiria da vontade soberana e sua paranoia
               social compulsivamente repetida que ela fosse submetida à ação co-
               letiva e à solidariedade genérica tendo em vista a emergência de um
               corpo social que não deixasse ninguém na estrada em direção ao
               Hades. Diante da submissão a uma exigência de autopreservação
               que retira da paranoia seu teatro, seus inimigos, suas perseguições
               e seus delírios de grandeza a escolha foi, no entanto, pelo flerte con-
               tínuo com a morte generalizada. Se ainda precisássemos de uma
               prova de que estamos a lidar com uma lógica fascista de governo,
               esta seria a prova definitiva. Não se trata de um Estado autoritário
               clássico que usa da violência para destruir inimigos. Trata se de um
               Estado suicidário de tipo fascista que só encontra sua força quando
               testa sua vontade diante do fim.
                  É claro que tal Estado se funda nessa mistura tão nossa de
               capitalismo e escravidão, de publicidade de  coworking, de rosto
               jovem de desenvolvimento sustentável e indiferença assassina com
               a morte reduzida a efeito colateral do bom funcionamento neces-
               sário da economia. Alguns acham que estão a ouvir empresários,
               donos de restaurantes e publicitários quando porcos travestidos de
               arautos da racionalidade econômica vêm falar que pior que o medo
               da pandemia deve ser o medo do desemprego.
                  Na verdade, eles estão diante de senhores de escravos que apren-
               deram a falar business english. A lógica é a mesma, só que agora
               aplicada à toda a população. O engenho não pode parar. Se para
               tanto alguns escravos morrerem, bem, ninguém vai realmente criar



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