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que algo semelhante possa estar acontecendo hoje: todos os poderes
ditatoriais que os aparatos estatais estão acumulando apenas torna
ainda mais palpáveis sua impotência básica.
Deveríamos resistir aqui à tentação de celebrar essa desintegra-
ção de nossa confiança como uma abertura para as pessoas se au-
to-organizarem localmente fora dos aparatos estatais: um estado
eficiente que “entrega” e pode ser pelo menos relativamente confiá-
vel hoje é mais necessário do que nunca. A auto-organização das
comunidades locais fará seu trabalho apenas em combinação com
o aparato estatal... e com a ciência. Agora somos forçados a admitir
que a ciência moderna, apesar de todos os seus vieses ocultos, é a
forma predominante de universalidade transcultural. A epidemia
oferece uma oportunidade bem-vinda para a ciência se afirmar
nesse papel.
Aqui, no entanto, surge um novo problema: na ciência também
não existe um grande Outro, nenhum sujeito em quem possamos
confiar plenamente, que é inquestionavelmente presumido conhe-
cido. Existem diferentes conclusões, bem como diferentes propos-
tas sobre o que fazer, preconizadas por epidemologistas sérios.
Mesmo o que é apresentado como dado é obviamente filtrado por
horizontes de pré-entendimento: como decidir se uma pessoa velha
e fraca realmente morreu do vírus? Além disso, embora o fato de
muitas outras pessoas ainda estarem morrendo por outras doen-
ças que não o coronavírus não deva ser mal utilizado para aliviar
a crise, é verdade que o foco estrito do nosso sistema de saúde no
coronavírus levou ao adiamento do tratamento de doenças consi-
deradas não-urgentes (testagem de pessoas para câncer, doenças
hepáticas etc.), de modo que nossas medidas estritas possam causar
mais danos a longo prazo do que o impacto direto do vírus. (Sem
mencionar as terríveis consequências econômicas do lockdown: no
início de abril, tumultos locais por comida dos recém-empobre-
cidos já explodiam no sul da Itália, e a polícia teve que controlar
lojas de alimentos em Palermo.) Será a única opção, realmente a
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