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No entanto, como Alenka Zupančič apontou , “vamos voltar ao
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            trabalho” é um caso exemplar do que é falso na preocupação de
            Trump com a classe trabalhadora: ele se dirige a pessoas mal pagas
            para as quais as pandemias também é uma catástrofe econômica,
            que não podem arcar com um isolamento, para quem o colapso
            econômico é uma ameaça ainda maior do que o vírus. O proble-
            ma é, obviamente, dobrado aqui. Primeiro, a política econômica
            de Trump (desmantelar o estado de bem-estar social) é em grande
            parte responsável pelo fato de muitos trabalhadores mal pagos se
            encontrarem em uma situação tão terrível que, para eles, a pobreza
            é uma ameaça maior que o vírus.
               Segundo, aqueles que realmente “vão trabalhar” são eles, os
            pobres, enquanto os ricos persistem em seu isolamento confortável.
            Devemos sempre ter em mente que existem aqueles que não podem
            se autoisolar para que alguns de nós possam fazê-lo - não apenas
            todos aqueles que tornaram nosso isolamento possível (profissio-
            nais de saúde, produtores de alimentos e aqueles que cuidam de sua
            entrega, aqueles que cuidam do suprimento de eletricidade e água,
            etc. etc), mas também de refugiados / migrantes que simplesmente
            não têm lugar (“casa”) para onde se retirar isoladamente. Como ex-
            plicar a necessidade de manter a distância social de milhares con-
            finados em um campo de refugiados? Lembre-se do caos na Índia
            quando o governo ordenou um lockdown de 14 dias, com milhões
            das grandes cidades tentando chegar ao campo…
               Todas essas novas divisões apontam para a limitação fatal da
            preocupação da esquerda liberal de que o controle social aprimora-
            do desencadeado pela ameaça do vírus permaneça e restrinja nossa
            liberdade, uma vez que indivíduos reduzidos ao pânico da mera so-
            brevivência são os subordinados ideais do poder. O perigo é muito
            real - o caso extremo é o de Viktor Orban, que aprovou uma lei que
            lhe permite governar por decretos por tempo indeterminado. No


            105   Conversa privada.



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