Page 197 - Quarentena_1ed_2020
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dos EUA no Iraque? Os EUA viram os sinais da ameaça funda-
mentalista, intervieram para evitá-la e, assim, a fortaleceram. Não
teria sido muito mais eficaz aceitar a ameaça, ignorá-la e, assim,
romper seu alcance? Então, voltando à nossa história, imagine que,
ao encontrar a Morte no mercado, o servo a abordasse: “Qual é o
seu problema comigo? Se você tem algo a ver comigo, faça-o, caso
contrário, vença! ” Ainda mais perplexa, a Morte teria murmura-
do algo como: »Mas ... deveríamos nos encontrar em Samara, eu
não posso te matar aqui!« E fugir (provavelmente para Samara).
Nela reside a aposta do chamado plano de imunidade de rebanho
ao coronavírus:
“O objetivo declarado tem sido alcançar a ‘imunidade de re-
banho’ para gerenciar o surto e evitar uma ‘segunda onda’ ca-
tastrófica no próximo inverno / ... /. Uma grande proporção da
população tem um risco menor de desenvolver doenças graves:
grosso modo, qualquer pessoa com até 40 anos. Portanto, o ra-
ciocínio diz que, mesmo em um mundo perfeito, não queremos
que alguém corra o risco de infecção, gerar imunidade nos jo-
vens é uma maneira de proteger a população como um todo. ” 104
A aposta aqui é que, se agirmos como se não soubéssemos, ou
seja, se ignorarmos a ameaça, o dano real poderá ser menor do que
se agirmos conscientemente. É disso que os populistas conserva-
dores tentam nos convencer: a Samara do nosso encontro é a nossa
ordem econômica e todo o nosso modo de vida, de modo que se
ouvirmos o aviso dos epidemologistas e reagirmos a ele escapando
da nossa realidade (isolamento e lockdown, etc. ), provocaremos
uma catástrofe muito maior (pobreza, sofrimento ...) do que a pe-
quena porcentagem de mortes pelo vírus.
104 https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/mar/15/epidemiologist
-britain-herd-immunity-coronavirus-covid-19.
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