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químicos, e assim por diante, desempenha seu papel (nunca pura-
mente passivo) . Existe uma visão teórica e ético-política autênti-
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ca em tal abordagem. Quando os chamados Novos Materialistas,
como Bennett, se opõem à redução da matéria à mistura passiva de
partes mecânicas, eles não estão, é claro, afirmando a teleologia an-
tiquada, mas uma dinâmica aleatória imanente à matéria: “proprie-
dades emergentes” surgem de encontros não previsíveis entre vários
tipos de agentes, a agência de qualquer ato específico é distribuída
por uma variedade de tipos de corpos. Dessa forma, a agência se
torna um fenômeno social, onde os limites da socialidade são ex-
pandidos para incluir todos os órgãos materiais que participam da
assemblage relevante. Digamos, um público ecológico é um grupo
de corpos, alguns humanos, a maioria não, sujeitos a danos, defi-
nidos como uma capacidade reduzida de ação. A implicação ética
de tal postura é que devemos reconhecer nosso envolvimento em
assemblages maiores: devemos nos tornar mais sensíveis às deman-
das desses públicos e o senso reformulado de interesse próprio nos
pede que respondamos à sua situação. A materialidade, geralmente
concebida como substância inerte, deve ser repensada como uma
infinidade de coisas que formam assemblages de atores humanos
e não humanos (agentes) - os humanos são apenas uma força em
uma rede potencialmente ilimitada de forças.
Tal abordagem que localiza um fenômeno em sua assemblage
em constante mudança nos permite explicar alguns casos inespe-
rados de transfuncionalização (um fenômeno de repente começa a
funcionar de uma maneira totalmente diferente). Entre as ocorrên-
cias inesperadas de solidariedade, deve-se mencionar as gangues
das favelas do Rio de Janeiro, geralmente envolvidas em lutas bru-
tais pelo controle de seus territórios, que concluíram a paz durante
a epidemia e decidiram colaborar para ajudar os idosos e os fracos
101 Jane Bennett, Vibrant Matter, Durham: Duke University Press 2010, p. 4-6.
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