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entanto, essa preocupação perde o que está efetivamente aconte-
               cendo hoje, o que é quase exatamente o oposto: embora os que estão
               no poder estejam tentando nos tornar responsáveis   pelo resultado
               da crise (mantenha a distância adequada, siga nossas ordens, cada
               um de vocês está agora responsável…), a realidade é exatamente a
               oposta. A mensagem de nós, os súditos, para o poder do estado é:
               seguimos suas ordens de bom grado, mas elas são SUAS, e não há
               garantia de que nossa obediência a elas funcione plenamente. O
               poder do estado está em pânico porque eles sabem não apenas que
               não controlam a situação, mas também sabem que nós, seus súdi-
               tos, sabemos disso - a impotência do poder é revelada agora.
                  Todos conhecemos a cena clássica dos desenhos animados : o
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               gato chega a um precipício, mas continua andando, ignorando o
               fato de que não há chão sob seus pés; só começa a cair quando
               olha para baixo e percebe o abismo. Quando perde sua autorida-
               de, o regime é como um gato acima do precipício: para cair, ele só
               precisa ser lembrado de olhar para baixo... Mas o oposto também
               vale: quando um regime autoritário se aproxima de sua crise final,
               sua dissolução como regra segue duas etapas. Antes de seu colap-
               so, ocorre uma ruptura misteriosa: de repente as pessoas sabem
               que o jogo acabou, elas simplesmente não têm mais medo. Não é
               apenas que o regime perca sua legitimidade, seu próprio exercício
               do poder é percebido como uma reação de pânico impotente. Em
               Shah of Shahs, um relato clássico da revolução Khomeini, Ryszard
               Kapuscinski localizou o momento exato dessa ruptura: na encru-
               zilhada de Teerã, um único manifestante se recusou a se mexer
               quando um policial gritou para ele se mudar, e o policial enver-
               gonhado simplesmente se retirou; em algumas horas, Teerã estava
               falando sobre esse incidente e, embora houvesse brigas de rua por
               semanas, todo mundo sabia que o jogo acabou…  Há indícios de
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               106  Provavelmente não há nenhum livro meu em que não o refiro pelo menos uma vez.
               107   Ver Ryszard Kapuscinski, Shah of Shahs, Nova York: Vintage Books 1992.



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