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social ou da fruição artística, para a busca da felicidade cada vez
mais concentrada no ambiente do consumo.
Minha geração foi uma geração de insurgentes, que buscava a
felicidade em bens espirituais, no domínio dos valores. No valor
do sagrado também, mas igualmente no valor do prazer, do belo,
da justiça, da compaixão. Acreditávamos que nossa felicidade seria
encontrada na paixão, no romance, no amor, na música, queríamos
o contato com transcendente ou o saber, queríamos a revolução e
um mundo melhor.
As novas gerações cresceram sob stress imenso do excesso de
informações que vem pelas redes sociais, mídias e cinema, impreg-
nadas de estímulos de consumo e propaganda de coisas. São mas-
sacradas dia e noite com imagens e símbolos que buscam seduzi-
-las para abandonar o mundo dos valores, em busca do mundo das
coisas. Nossas crianças e jovens são empurrados para entrar numa
espiral de consumo para a qual não tem recursos, vão se tornando
infelizes e desenvolvendo a crença de que são fracassados.
Na minha opinião, a raiz mais profunda da violência em nossa
sociedade é o contraste entre a miséria e a opulência, vinculada às
excitações das demandas de consumo. Mais ainda, às terríveis frus-
trações de se buscar a felicidade na posse de coisas, porque coisas
não são fins, são meios para a felicidade. Sempre haverá novos pa-
drões de consumo e produtos a acessar para tornar infeliz aquele
que os deseja e não os possui.
Não podemos continuar excitando as demandas de consumo
numa juventude indefesa, ao mesmo tempo que tiramos dela qual-
quer perspectiva de renda.
É neste rumo suicida, muitas vezes pior no segundo país
mais desigual do mundo, que nossa civilização estava quando o
Coronavírus nos atingiu.
Essa enorme tragédia nos dará, no entanto, a oportunidade de
refletir sobre nosso futuro e forma de vida.
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