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sala, cada presidente de banco vê a si mesmo como um instrumen-
to passivo de forças externas que ele não pode controlar, mas tais
‘-forças externas’ nada mais são do que ele mesmo e seus colegas
presidentes, certamente nada a ver com os depositantes”.
Atormentados por seu desespero “científico”, os economistas
da chamada corrente principal se esforçaram e ainda se esforçam
para “naturalizar” o crédito e os bancos. Knut Wicksell, admirável
economista sueco, formulou o conceito de taxa natural de juros,
aquela que equilibra a poupança e o investimento. Se a taxa mo-
netária, aquela administrada pelo sistema bancário, aí incluído o
Banco Central, está fora do lugar, a economia de mercado ingressa
num processo cumulativo de deflação ou inflação, conforme a taxa
monetária esteja acima ou abaixo da taxa natural.
Os economistas austríacos, Hayek à frente, seguiram suas lições
e não se cansaram de lamentar o papel do crédito na “deformação”
das leis naturais da economia. O crédito, dizem eles, viola o princí-
pio sagrado que garante a evolução em equilíbrio das economias de
mercado: o investimento genuíno, não distorcido, deve ser precedi-
do pelas virtudes da poupança e da frugalidade.
Para o bem ou para o mal, a evolução do capitalismo realmente
existente removeu as limitações impostas pela natureza à acumu-
lação de riqueza. Aqui o leitor há de permitir que eu possa invocar
Karl Marx, um admirador e crítico do capitalismo. Ao registrar
as transformações na vida social e econômica produzidas pelo
movimento incessante de criação e destruição de riqueza, marca
registrada desse modo de produção, Marx sentenciou: “O sistema
de crédito torna absurda a frase segundo a qual o capital nasce da
poupança, pois o que o especulador espera é que outros poupem
para ele… a outra frase, a da abstinência, recebe um bofetão na
cara, pois o luxo é convertido também em instrumento de crédi-
to… ideias que tinham alguma justificativa, em fases menos desen-
volvidas da produção capitalista, perdem toda a razão de ser”.
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