Page 123 - Quarentena_1ed_2020
P. 123

sala, cada presidente de banco vê a si mesmo como um instrumen-
               to passivo de forças externas que ele não pode controlar, mas tais
               ‘-forças externas’ nada mais são do que ele mesmo e seus colegas
               presidentes, certamente nada a ver com os depositantes”.
                  Atormentados por seu desespero “científico”, os economistas
               da chamada corrente principal se esforçaram e ainda se esforçam
               para “naturalizar” o crédito e os bancos. Knut Wicksell, admirável
               economista sueco, formulou o conceito de taxa natural de juros,
               aquela que equilibra a poupança e o investimento. Se a taxa mo-
               netária, aquela administrada pelo sistema bancário, aí incluído o
               Banco Central, está fora do lugar, a economia de mercado ingressa
               num processo cumulativo de deflação ou inflação, conforme a taxa
               monetária esteja acima ou abaixo da taxa natural.
                  Os economistas austríacos, Hayek à frente, seguiram suas lições
               e não se cansaram de lamentar o papel do crédito na “deformação”
               das leis naturais da economia. O crédito, dizem eles, viola o princí-
               pio sagrado que garante a evolução em equilíbrio das economias de
               mercado: o investimento genuíno, não distorcido, deve ser precedi-
               do pelas virtudes da poupança e da frugalidade.
                  Para o bem ou para o mal, a evolução do capitalismo realmente
               existente removeu as limitações impostas pela natureza à acumu-
               lação de riqueza. Aqui o leitor há de permitir que eu possa invocar
               Karl Marx, um admirador e crítico do capitalismo. Ao registrar
               as  transformações  na  vida  social  e  econômica  produzidas  pelo
               movimento incessante de criação e destruição de riqueza, marca
               registrada desse modo de produção, Marx sentenciou: “O sistema
               de crédito torna absurda a frase segundo a qual o capital nasce da
               poupança, pois o que o especulador espera é que outros poupem
               para ele… a outra frase, a da abstinência, recebe um bofetão na
               cara, pois o luxo é convertido também em instrumento de crédi-
               to… ideias que tinham alguma justificativa, em fases menos desen-
               volvidas da produção capitalista, perdem toda a razão de ser”.





                                                                           123
   118   119   120   121   122   123   124   125   126   127   128