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O projeto, portanto, cuida de impor limites à criatividade ju-
            dicial no âmbito do direito privado. A questão está longe de ser
            pacífica para os estudiosos do direito. Uma corrente considera mais
            adequado assegurar-se aos juízes o protagonismo para que, diante
            de casos concretos, o magistrado diga o que o direito diz. Outra
            vertente teórica, principalmente depois do que se viu na Lava-Jato,
            defende que os magistrados estariam limitados na sua criatividade
            pelos dispositivos constitucionais.
               Encontramo-nos no meio do fogo cruzado entre duas percep-
            ções míticas a respeito do Direito, em todo o mundo. No Brasil,
            dada a dramaticidade de nossa realidade bolsonara, ambas podem
            ser, inclusive, adjetivadas.
               Temos o Damarismo Jurídico, integrado por aqueles que viram
            a Constituição na goiabeira e, contra todas as evidências empíricas,
            louvam-na como repositório de esperanças e objeto de idolatria e
            devoção. De outro lado, há os Terraplanistas Jurídicos que, também
            contra todas as constatações fáticas e todo o saber científico acu-
            mulado, defendem que o direito deve se adequar à verdade dos ma-
            gistrados. Usam a régua destes, contra o horizonte, para provar que
            o Direito é plano, voltado ao bem comum.
               Em tempos de democracia formal o Direito materializa, históri-
            ca e concretamente, a relação de forças que se estabelece na socie-
            dade e em suas representações institucionais. Em tempos de Estado
            de Exceção, como o que experimentamos desde o golpe de 2016, é
            diferente. O Direito, quando rompida a institucionalidade demo-
            crática, se apresenta como em essência realmente é: garantidor de
            privilégios e repressor das classes populares.
               Uma ressalva importante, apositiva: os advogados pendulam
            entre as duas concepções jurídicas na defesa dos interesses que de-
            fendem. Têm que fazer isso. Às vezes o garantismo e a Constituição
            são a maneira de salvaguardar direitos. Outras vezes a legalidade
            estrita é prejudicial aos interesses defendidos, e nos socorremos do
            ativismo para postular que se faça justiça no caso concreto. Esse



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