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texto não se configura em crítica à advocacia. Muito ao contrário.
               Aqui se tenta esboçar uma crítica teórica ao direito (e ao estado)
               capitalista,  à atual  regulação estatal das relações sociais,  que se
               encontra em profunda crise. Feita essa digressão, sigamos, com
               os olhos postos na polêmica teórica em debate no Brasil (inclusi-
               ve no supremo tribunal federal, sempre em minúsculas desde que
               se apequenou) entre duas concepções jurídicas, provocativamente
               adjetivadas.
                  O Damarismo Jurídico graficamente representa-se pela imagem
               da pirâmide. Em seu vértice estaria a Constituição (e o Olimpo
               onde 11 semideuses seriam dela os intérpretes últimos). No
               Terraplanismo Jurídico, ao contrário, a pirâmide se apresenta in-
               vertida, como um funil que recebe todas as informações (inputs) da
               realidade e dos marcos normativos, estando em seu vértice inferior
               a solitária figura do juiz da causa, aquele que diz o que o Direito diz
               na análise do caso concreto (quem desejar se aprofundar no tema
               deve procurar os estudos de François Ost e Carlos Maria Cárcova).
                  Ambas as correntes (o Damarismo Jurídico e o Terraplanismo
               jurídico) constituem-se em mitos que não resistem à confrontação
               com a realidade. Nas complexas sociedades do capitalismo globa-
               lizado a imagem gráfica do Direito se assemelharia mais a um po-
               liedro que juntasse as duas pirâmides sobrepostas e desajustadas;
               aquela, kelseniana, com a ponta para cima, e aquela com seu vértice
               na parte de baixo, tendo por núcleo central os interesses das classes
               dominantes e, em cada uma de suas arestas, mecanismos de coer-
               ção indutores da maneira capitalista de existir em sociedade.
                  No Brasil, depois do Golpe e sob Bolsonaro, o que antes padecia
               de indigesta abstração resulta mais claro. O direito posto e o direito
               pressuposto (Eros Grau), como consequência do infatigável esfor-
               ço da laboriosa magistratura (e da parcela mais nociva da Direita
               Concursada  que  a  hegemoniza)  se  apresentam como  realmente
               são, como poder e opressão (sinto saudades do Roberto Aguiar),





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