Page 239 - Quarentena_1ed_2020
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Parem de ver a Constituição na goiabeira! O stf já deixou clara a
sua posição. Parem de depositar esperanças na justiça da aplicação
do direito ao caso concreto! A maioria hedonista da magistratura
tem lado na luta de classes.
Lembrei-me da ideia de um texto que ainda escreverei, reto-
mando um tema que já foi até filmado (obrigado, Mauro Menezes,
amigo ponderado, que leu o esboço desta reflexão). Um cardeal,
fuçando nos arquivos secretos do Vaticano, descobre que Jesus não
existiu e que a Bíblia foi inventada três séculos mais tarde. Entra
em crise de consciência, uma crise deôntica. Deve revelar isso ao
mundo? Como poderiam sobreviver as pessoas que sempre se pau-
taram pelos mitos diante da revelação da verdade? O mundo ficaria
melhor se as pessoas soubessem que o cristianismo era mentira?
Um drama ético, portanto.
O Brasil ficará melhor se os operadores jurídicos souberem que
as duas correntes em debate se baseiam em mitos? Que o Direito
não é o que parece ser?
As várias vertentes do Direito Alternativo e dos distintos movi-
mentos de Crítica Jurídica a partir dos anos noventa do século pas-
sado se dedicaram a denunciar a função do Direito na sociedade
capitalista. A conjuntura era outra.
A contemporaneidade brasileira, todavia, onde a Direita
Concursada, a meu ver, hegemonizou o aparato repressivo e a ma-
gistratura, nos permite alguma ousadia. A guerra de posições nas
disputas doutrinárias parece-me ineficaz na conjuntura bolsona-
ra em que teimosos resistimos, embora elas sejam necessárias nas
lides judiciais. Todos os que advogam se utilizam do que, icono-
clasta, denominei de Damarismo e de Terraplanismo jurídicos,
não para ofender, mas para suscitar reflexão. Cansei de fazer isso
quando ainda sobrevivíamos em um Estado de Direito.
Sendo assim, arrisco colocar em pauta para discussão a atuali-
dade da guerra de movimento, frontal, contra o capitalismo. A pan-
demia pode ser o meteoro que, em duvidoso humor, simulávamos
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