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garantidor de privilégios e da maneira egoísta, individualista, capi-
talista, de viver em sociedade.
Essa maneira de existir, contudo, não é a única possível. A maior
crise capitalista desde 1929 (que engendrou a social-democracia)
configura-se também em uma crise do Estado e do Direito. As so-
ciedades não serão as mesmas uma vez terminado o período de
isolamento imposto pela COVID-19. Uma nova maneira de exis-
tir em sociedade está em gestação. E novas maneiras de regulação
das relações sociais se farão necessárias. O Direito, tal como se nos
apresenta na atualidade, está torto, disfuncional. A desigualdade
social atingiu níveis inaceitáveis.
Encaminhando-me para a conclusão dessa breve reflexão,
afirmo que tal constatação não significa que necessariamente sai-
remos da era das medievais trevas dos mitos (damaristas ou ter-
raplanistas) a respeito do Direito para um luminoso e dadivoso
porvir. Lembremo-nos que a crise capitalista de 1929 gerou, ao
mesmo tempo, duas grandes alternativas: o Estado Social de Direito
e várias autocracias (Hitler, Salazar, Franco, entre outros). Na saída
desta atual crise capitalista (e do Estado e do Direito) alternativas
semelhantes se apresentarão. Esperemos que a cidadania faça a es-
colha pela vida, pelo planeta, pela maneira solidária de existir em
sociedade.
Por fim, confesso que titubeei. Fiquei com muitas dúvidas em
adjetivar as duas principais vertentes teóricas do Direito por temer
reações indesejadas por parte dos escassos leitores de tão árido texto.
Escrevo aos operadores jurídicos e aos que se dedicam a tentar
entender alguns dos dilemas relacionados à saida da crise atual.
Não a todos, obviamente, apenas à parcela que entenderia minha
convocação: esqueçam os mitos, critiquem o direito capitalista e
não as decisões, compreendam que a judicialização da política é
parte do problema. Espero, sinceramente, que não se sintam ofen-
didos. Adjetivei, pesando a mão, provocativo, para fazer-lhes uma
exortação.
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