Page 94 - Garantia do Direito à Educação
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Sônia Mara M. Ogiba
sobretudo, porque as sociedades contemporâneas vêm a algum tempo
atravessando uma crise aguda da democracia, em especial a democracia
representativa como a que estrutura o poder em nossa sociedade.
Será preciso que fiquemos alerta a uma visão romântica de so-
ciedade civil para a qual não há contradições e conflitos de qualquer
ordem. Para a qual a participação popular é isenta das tomadas de de-
cisões, escamoteando o significado inscrito no sufixo Demo da palavra
Democracia. Além disso, temos uma lógica de Estado patrimonial que
precisa ser problematizada de maneira radical, tencionando os limites
entre o público e o privado, em especial no campo da escolarização e da
formação básica. Será preciso, pois, produzirmos análises que tencio-
nem de maneira profunda Democracia e Estado de Direito, Democra-
cia e Justiça social ampliando os nexos da luta política pelo PNE nesse
contexto de crise. Foram essas questões, dentre outras, que no Ciclo
de Debates a comunidade educacional buscou detalhar, problematizar,
deixando o registro que a Educação de qualidade social é construída
com participação e democracia, simbolizada através do envolvimento
de diversas instituições de âmbito estadual e abrangência local.
Foi tendo como referência esse contexto, e seus efeitos decisivos nas
políticas públicas no campo da Educação, naquilo que essas avançaram
nas duas últimas décadas em termos de democratização e acesso à esco-
larização e aos bens culturais, que a essa experiência de debates sobre
os Planos em Educação, associamos à dimensão de lugares de memória.
O Romance do escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro, prêmio Nobel
em literatura desse ano, titulado “O gigante enterrado” traduz de forma
literária esses lugares de memória coletiva diante da barbárie. Memória
coletiva que guarda e preserva o que foi construído a várias mãos.
Por analogia a De Certeau (1994), podemos também afirmar que
uma memória coletiva porta a tradução daquilo que foi produzido por
um cem número de pessoas comuns, ordinárias (entre as quais há coin-
cidência de saberes) que, ao praticarem a resistência e a rebeldia nas
redes de vigilância, de poder a que estão submetidos, ascendem ao es-
tado de sujeito extraordinário – aquele que de maneira coletiva desloca
saberes praticando diferença(s), ou seja, deslocando limites naqueles
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