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Da forma como criamos o capital, ele se tornou uma força autô-
            noma (alienada de nós) e impossível de se controlar. Pior, ele sub-
            mete a vida humana e a natureza a seu objetivo maior, de reprodu-
            ção infinita – só possível ao capital por ele ser uma riqueza abstrata,
            pois só um ente abstrato pode crescer infinitamente. Em suma, nós
            criamos um mundo em que somos, juntos com a natureza, instru-
            mentos do capital. Nem mesmo os keynesianos pretendem desafiar
            suas tendências espontâneas (uma expressão melhor e mais precisa
            do que “leis naturais”), mas apenas fazer com que nos adaptemos a
            elas com o menor sofrimento possível.
               Mas no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo este
            “menor sofrimento possível” que o keynesianismo pode proporcio-
            nar às pessoas se resume à empregabilidade, na maior parte das
            vezes em trabalhos precários, mal remunerados e estafantes. O céu
            keynesiano é a China e é para lá que caminham EUA, Europa e
            Japão. E é se tornar uma China que o mudo subdesenvolvido deve
            sonhar. Mas a China é um inferno de pessoas-máquinas trabalhan-
            do 12 horas por dia, quase sem folgas e direitos e ganhando apenas
            para subsistência.
               E há ainda outra contradição neste processo, muito bem descri-
            ta por Marx e que deriva das leis “naturais” do capital. Ao remune-
            rar mal o trabalho humano ou substituí-lo por máquinas o capital
            particular que faz isso primeiro baixa o custo de produção, ganha
            mercado e lucra muito. Os outros capitais particulares correm atrás
            do prejuízo e logo baixam seus custos também. O resultado é que
            a taxa de lucro global decresce, assim como a massa salarial, pois
            as pessoas recebem menos salários ou são substituídas por máqui-
            nas, se tornando supérfluas para a produção de valor, engordando
            o precariado do terceiro setor.
               Com isso, há uma superprodução de mercadorias e, ao mesmo
            tempo, um subconsumo decorrente do menor poder de compra
            dos trabalhadores. Para compensar esta situação o neoliberalis-
            mo criou capital fictício para emprestar às empresas, governos e



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